quarta-feira, 27 de julho de 2011

Onde eu guardo você




Eu não sei com qual endereço devo preencher os quadradinhos no verso do envelope, nem quais palavras eu devo usar para escrever a essa nova pessoa que você deve ter se tornado, provavelmente tão estranho a mim. E nada me importa porque o que eu sei é que essa carta por você jamais será lida, exatamente como as outras mais antigas que envelhecem no fundo da gaveta cor de marfim. Se fosse essa uma de nossas velhas conversas, nessa parte eu deveria perguntar como você está, como vãos os seus pais, seus planos, e até mesmo como anda seu coração. Aí você responderia qualquer coisa sem muita verdade, como fazem os conhecidos que se esbarram em qualquer lugar e se cumprimentam com aquela certa pressa cotidiana. Você faria todas as minhas perguntas de volta a mim, como que por gentileza e educação. Então eu procuraria em meio ao meu arquivo de coisas-entediantes-do-dia-a-dia algo que soasse feliz ou, no mínimo, interessante pra te contar, sem muita intensidade, só para dar continuidade a nossa conversa. Mas sendo essa uma carta e não uma conversa, eu deveria escrever sobre mim, escrever até cansar, te contar coisas novas, coisas bonitas da minha nova vida, da qual você se tornou tão distante. Eu teria de inventar tudo, como fazem os ex amantes, inventar alegrias que na verdade não existem e que só existiam quando os dois ainda estavam juntos. Inventar e nunca deixar transparecer a tristeza causada pela falta que um faz ao outro. Eu até gosto dessa palavra: inventar. Mas deixo isso pros meus momentos de escritora mirabolante que penso que sou, porque com você, eu nunca precisei de nada disso. Tendo de escrever sobre mim, não sei sobre o que escreveria. Sobre tristeza já falei em outras cartas. Sobre amargura, também. Sobre amor, sobre falta, sobre saudade e todas as coisas que já nem valem mais à pena serem ditas – porque não há mais você para ouvir – já escrevi. Eu já cansei um pouco de ser tão melosa, já cansei de sentir tanto assim por você; dos pensamentos incessantes, dos relatos em papel; e já cansei, principalmente, das várias últimas lágrimas que chorei prometendo a mim mesma que seriam as últimas, e das inúmeras folhas de papel que gastei falando sobre você, também jurando serem as últimas. Se eu soubesse seu endereço, se eu soubesse quem é esse novo você, se eu soubesse que esse novo você ainda se interessaria pelas minhas conversas fiadas e pelos meus dramas sem fim, eu contaria a esse novo alguém como tenho me afundado rápido demais. Eu perguntaria sem mais rodeios: quer saber a verdade? Então aqui vai: eu tenho me envenenado pouco a pouco pra tentar matar você dentro de mim. O que é confuso, porque você é a melhor coisa que já me aconteceu. E eu ainda te amo. Mas eu também odeio isso. Sim, sim, eu confessaria que me enganei quando pensei que o tempo poderia tirar você de mim. Perdi as contas de quantos dias passei esperando somente por aquele dia em que eu acordaria pela manhã, abriria meus olhos e já não me lembraria de você. Os dias que fiquei só imaginando e esperando que a ciência inventasse algum tipo de nova droga que pudesse apagar nossas memórias. Os dias que perdi me enganando e tentando enganar a todo mundo. Agora eu vejo que não há forma de te tirar de mim, e que também não há motivo para desejar tal coisa. Eu achei que o nosso pra sempre havia terminado no momento em que seguimos caminhos diferentes, mas agora eu vejo que o pra sempre não se referia a andarmos juntos a todo instante, mas sim a essa lembrança, essa presença aqui dentro de mim, essas memórias e tudo, tudo, tudo que você me deu. Tudo é pra sempre. Se você quisesse ainda ouvir, era o que eu te diria. Se eu ainda tivesse o seu endereço, se eu ainda soubesse seu nome, se nós não tivéssemos perdido a trilha de volta pelos caminhos diferentes aos quais seguimos, eu te enviaria essa carta, eu te diria só essa última coisa, mesmo sabendo que quando se trata de você, a última lágrima nunca é última, nem a última vez, nem o último pedaço de papel: eu queria que você soubesse que o único lugar bonito que sobrou dentro de mim, é onde eu guardo você.

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