segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O começo é o princípio do fim

Tem coisas que nada exorciza. Nem doze porres seguidos e mais um de ressaca. Nem escrever feito um louco obsessivo compulsivo, como quem precisa bater os dedos nas teclas rindo desesperadamente, sem parar, se não morre. Nem gritar teu medo todo de dentro do peito pra fora, esquizofrênico, numa rua deserta às duas da manhã, acendendo as luzes amarelas das janelas que só aumentam tua angústia por não saber quem vive lá – dentro, trancado, engaiolado, quem será –. Nem se perder na escuridão de um lugar abandonado, música alta, copo na mão sem saber o que fazer, pra onde ir, sem conhecer ninguém ali, com olhar perdido e triste que só enxerga o vazio dos cantos de um lugar tão vazio que por ali só pode andar quem estiver a fim de se esvaziar também. Tanta coisa a vida faz que parece até querer que a gente fuja dela.
Já passa das três e você vai embora com o mesmo pensamento do início, só que agora com maior convicção: tem coisas que nada exorciza. E aí, qual vai ser? Você já tentou de tudo e sabe que nada funciona. Já é tarde, você é velho, tarde demais pra vida, tarde pra tentar melhorar ou pra deixar o orgulho de lado e dar um telefonema. Que orgulho? Não tem orgulho, não. Velho demais pra isso. Tão velho que só o que restou foi o reconhecimento da fragilidade das coisas, da vida, das almas, dos sentimentos. Velho pra saber que não há cura, nem solução. O mundo está fadado à destruição. A noite fadada à solidão – se acostuma a tua, dorme de conchinha, qualquer coisa –. Decide o que fazer contigo.
Cinco da manhã o sol vai nascer e você, velho como está, sabe que isso só é belo em canções e poemas – aliás, como quase tudo na vida, como sofrer por amor, como a dor, o suicídio, e o que seria de nós sem arte? –. Porque novo dia não traz de novo é nada e nem pisar no chão, e nem se recusar a sair da cama, e depois a lavar o rosto, e depois a acordar... Nada disso é novo. Nem o sol. E todo dia o dilema é o mesmo, é você pensando em como sobreviver aos idiotas, é você ensaiando as caras de quem presta atenção a uma conversa quando conhecidos decidem te fazer de terapeuta, é você pensando em formas de sabotar a realidade através da distração – se uma mosca pousar num lugar diferente da mesa do escritório hoje, já está bom –. É você fingindo um sorriso pra entrar na roda, no jogo, na dança deles, de todos aqueles que parecem felizes e aqueles que parecem se recuperar como num estalo de dedos, de todos, enquanto por dentro... Ah, por dentro? Nada importa. Se não tiver comida? Não teve. Se não tiver o sono, nada importa. Se não tiver ar? Finalmente, é o fim. Todos os dias o sol nasce e todos os dias lá está você esperando pelo. Por. Velho, cansado, sem nada nas mãos, sem lenço no paletó, com seu sorriso elástico, amarelo que nem as lâmpadas das janelas de não se sabe quem, vazio como o copo no final da noite, no bar, o cara do lado bêbado demais, tentando começar uma briga, e você...

tanto faz.