domingo, 5 de outubro de 2014

Tragos em cigarros tortos

Num bar de luzes esverdeadas e portas que imitavam o estilo dos saloons,
a garota arrumada com cabelos presos em um rabo de cavalo,
topete luminoso, vestido estampado de pequenas caveiras mexicanas,
verificava os cabos ligados às caixas de som.
“Vocalista da próxima banda a se apresentar”, pensei,
enquanto a voz de Cash ainda ressoava no ar.

Num canto sentado sozinho, ombros cansados
sob a jaqueta de couro já gasta
pelos seus vinte e dois anos de bar,
fazia do copo de whisky companhia, olhos caídos,
olhar perdido, a observar
fixamente a garrafa vazia.

Você esteve por todo canto, cara.
Você esteve por todo canto, homem,
e ainda não conhece seu lugar.

Andou por tantas estradas e errou de caminho ao depositar
todas as esperanças num colo de traição.
Levantou tanta poeira só pra descobrir que
a crença em qualquer coisa não passa de ilusão
e que tudo, no fundo, é uma espécie de nada.

Todos os dias caminhando descalço de volta pra casa
pelas ruas, na madrugada tragando cigarros tortos
de embalagens amassadas dos bolsos dos velhos jeans,
no intervalo de risadas desesperadas.
Você esteve por todo canto,
E agora, cara, qual é o seu lugar?

Agora que sabe que amor não existe e que os raios
de sol, ainda que únicos, também não podem durar.
Johnny também sabe.

E se pudessem ver, eles diriam “Pobre coitado, ainda escrevendo seus
poemas tristes em páginas manchadas de café e do suor
das mãos, engavetando-os como um
infeliz incapaz de se livrar do passado ou fugir do destino”.
Eles diriam, se soubessem, mas eles
não sabem. Eles nunca sabem de nada.
Só Johnny sabe,
e eu também sei.