domingo, 6 de abril de 2014

Slide

Tudo estava morto, e não simplesmente triste como outrora, mas completamente morto e estéril, sem ao menos o cheiro de esgoto daquelas ruas por onde eu caminhava sozinha, sentindo o silêncio daqueles que dormiam gritando contra mim, sentindo o mundo contra mim, só que morto. Os que dormiam, sonhavam, e eu pensava em quanta sorte ainda tinham, enquanto eu, alarmada, em um estado totalmente contrário ao estado de paz imperturbável que experimentam aqueles que dormem, buscava pelas ruas escuras a poesia que deixei escapar tão facilmente há anos atrás. Porque os meses para mim eram como anos aqui onde chamo de lugar nenhum.
Talvez ela tenha ido embora arrastada pelo vento frio que se mudava de uma esquina à outra... a poesia. Ou talvez tenha se tornado invisível como o próprio vento que não sinto em mim, mas que possuo consciência da existência no momento em que as folhas das árvores se agitam em resposta com um sussurro acolhedor. Talvez, ainda, tenha se tornado sujeira junto aos muros pichados da cidade, que aos poucos vão deixando de fazer sentido para aqueles que vêm e vão todos os dias, assim como eu faço cada vez menos sentido para mim a cada novo dia que perco nesse lugar que chamo de lugar nenhum.
Eu poderia permear por entre descrições infinitas só para não ter de chegar ao que seria realmente relevante de se descrever: meu sentimento em relação às coisas que passavam por mim e como eu as percebia, mas sob qualquer circunstância, a sensação que permanecia era a de que eu pouco falava e nada dizia. E quanto mais eu pensava, menos compreendia. A vida sempre me escapava logo ao término de um furacão e eu sempre ficava lá parada pensando em como era imenso o mundo, e em como devia ser proporcionalmente imenso o seu abandono.
Eu continuava parada enquanto o choque durava. A vida era uma onda de choques que me paralisavam sucessivamente, e se eu tivesse de descrevê-la, essa seria a melhor definição. Eu só queria ficar ali parada pelo tempo que meu corpo julgasse necessário. Pelo tempo que seria suficiente para que minha alma se tornasse mais cansada do que o que já era. Eu queria que essa alma dissolvida no meu peito se dissipasse com o vento da madrugada, e como neblina deslizasse para longe de tudo o que eu conhecia e de toda a existência que tinha de suportar... Eu queria desaparecer, como a poesia desaparecera.
E então agora eu estava no meio de mais um furacão onde todos usavam máscaras para se proteger enquanto eu andava com a minha alma nua e as gotas de chuva finas como lâminas trazidas com a dor e a velocidade dos ventos do furacão cortavam meu rosto, e enquanto eu caminhava lentamente minhas pernas tremiam de frio e de fraqueza, e eu queria que alguém pudesse me levar no colo, mas como confiar quando eu não podia enxergar os rostos além das máscaras? Eu continuava andando enquanto o ódio que surgia pela fraqueza me dizia que talvez eu devesse ser também como eles, e andar com máscaras como eles, e parar de procurar pelo que é real, pois, como pode ser você tão esperta e tão ingênua de uma só vez? Nesse mundo nada é feito de verdade, já faz algum tempo...
A súbita constatação me paralisava, e não era a primeira vez, porém sempre que me deparava com essa verdade, a verdade de que nesse mundo não há mais verdade, todo o meu corpo ardia numa febre fraca, e minha consciência se tornava injustificada. De repente não havia corrimãos para segurança do caminho, e não havia sentido nas coisas que eu julgava compreender. E eu queria ser pega no colo, mas não queria que me tocassem, pois eu não podia saber o que teriam nas mãos... Se escondiam os rostos, por que não poderiam esconder algo nas mãos? E eu tinha o pensamento de que se eu mantivesse minhas paredes erguidas e meus espinhos arqueados por toda a vida, então eu teria saído vitoriosa dessa. Mas eles irão te dizer para abaixar a guarda, irão te dizer que a vida é isso mesmo: se deixar levar pela correnteza do rio da existência, mas não acredite neles, acredite em mim! Eu estive lá e não vale tanto à pena assim, e já é um milagre e tanto quando alguém consegue escapar meio vivo. Você não precisa de amor para saber o que é sofrer se já tem conhecido o sofrimento a vida inteira.
Amar era, de certa forma, ter um ponto fraco, e talvez fosse também nada além disso. Eu não me lembrava de haver nada no mundo que eu odiasse tanto quanto a fraqueza. Você pode prever, eu e o amor nunca nos demos muito bem, pois este era simplesmente algo entre o embelezamento das necessidades cruas e básicas à sobrevivência e a doce ilusão reservada para aqueles que ainda eram jovens e desconheciam suas demandas, que consistiam, em curtas palavras, em morrer aos poucos em cada caminho perseguido, em cada corpo desfrutado. Eu já não tinha mais a paciência e a tranquilidade daqueles que se encontram dispostos a percorrer uma estrada colorida de maravilhas, inconscientes de que encontrariam ao fim do percurso não baús de tesouros, mas a cruel realidade de uma ideia outrora super estimada. Eu já não tinha lá muita adolescência para desfrutar à minha frente...
Agora eu tenho tido minhas paredes reerguidas em proteção e, embora seja duro catar os pedaços de qualquer coisa para juntar em seguida, é o necessário a se fazer quando se pretende sobreviver nesse mundo insano, onde tudo é uma arma apontada para a sua cabeça e seu coração. Dispersei-me em ilusões por alguns instantes que se explodiram em meses e então anos, o que é fácil de acontecer em um lugar sem nome onde nada acontece, mas a violência dos furacões sacodem e a verdade sempre encontra novamente aqueles que abrem mão dos disfarces e se permitem ser despertados, e é bom estar sã e lúcida para a vida de novo. [...]


 " I've been thinking about the way the world turns,
And my stomach churns.
When it finally hits me out of the sky,
I knew this day would come...
I'm on the front line. " 

Don't know how to take it in, is love just suffering?
Cause I can see where the chapter ends


I've got autumn leaves and heartbreak dreams inside, inside...

Cause you and me on this frozen sea we slide, slide....



I'll wait all on my own like a flower in the snow,
With just my shadow following me out into the cold... " 

[...]