segunda-feira, 27 de junho de 2011

Os seres humanos me assombram

As bruxas continuam aparecendo, quando não os monstros e demônios. Acordei com a respiração violenta de mais um pesadelo, como tem sido freqüente, desde os meus quatorze anos. Respiro fundo, repasso o sonho, procuro sentido, desisto. Às vezes, é de repente, em meio à ambientes cotidianos dentro de sonhos comuns: uma bruxa. Às vezes a imagem é aquela infantil: o estereótipo de bruxa que temos quando crianças. Às vezes elas são plural, e aparecem como mulheres normais. Outras vezes são homens em ternos, velhos anciões, ou apenas miragens: com direito a capas em veludo para ritual Wicca e tudo. A forma como aparentam é que varia, mas uma coisa é certa: todos bruxos. Certa vez, por motivo de curiosidade, recorri a um desses sites de “interpretação psicológica de sonhos”, ao procurar por bruxas, estava lá: “medo”. Segundo o site, sonhar com bruxas representa medo de algo na vida real; ou o medo como um sentimento/sensação constante, e até mesmo inconsciente, na vida daquele pessoa. Procurei então por outro objeto freqüente: monstros – “insegurança”. Como sou dessas, desconfiadas, visitei mais uns cinco sites diferentes, encontrando resultados, se não iguais, bem próximos uns dos outros. Na época, tal pesquisa só serviu para que se confirmasse a certeza que, havia algum tempo, eu já tinha: preciso de psicoterapia. Mas isso é assunto pra outra hora. O fato é que, apesar de serem obviamente um tanto assustadores, me habituei aos meus fantasmas noturnos, de forma que parei de me importar. Sinto medo sim, mas pra falar a verdade, meu medo maior é de outra coisa. Desde bem pequena que eu demonstro certo fascínio pelo oculto, obscuro, esquisito, diferente, promíscuo, Rock’n’Roll. Eu sempre tive gostos contrários aos das crianças normais e sempre me atraiu o que, nas outras pessoas, causava a típica torcida de nariz. Eu sempre gostei do feio, do socialmente rejeitado, e de todas as coisas que me diziam que era errado gostar. E em meio a tantas outras coisas que cabem nesse assunto, aqui entra a minha, desde sempre presente, fascinação por filmes de terror e seus respectivos personagens fictícios. Ou não tão fictícios assim. Eu me lembro da Sessão da Tarde na TV depois da escola, me lembro de um filme que contava a história de três bruxas e que se repetia milhares de vezes, mas não importava quantas vezes eu já havia assistido, eu sempre tinha de ver de novo. Me lembro de ter sido apaixonada pelo Mãos de Tesoura – ele foi, provavelmente, o meu amor de infância – e me lembro de, mais tarde, descobrir o mundo encantado dos serial killers. Eu gosto de todo o mistério e do medo que cerca todas essas criaturas. Eu gosto da doença exposta, sem dever nada a ninguém. Gosto do desconhecido e gosto, principalmente, da maldade explícita e não disfarçada. Devo confessar que tenho e sempre tive mais afeição por essa coisa toda do que por seres humanos, e estes sim são motivo de pavor: seres humanos. Seres que maquiam sentimentos e mascaram a loucura; que julgam e apontam enquanto escondem suas culpas. Seres reais, que causam dores reais, desses sim, eu tenho medo. Sim, prefiro a crueldade já previamente conhecida de um roteiro de horror; prefiro o medo em forma de fantasia e os Kruegers, Jasons e Latherfaces de mentirinha. Prefiro que me deixem com as minhas bruxas, com as minhas idas incessantes à vídeolocadoras, saindo com pilhas e pilhas do que mais gosto embaixo do braço: O Exorcista, Sexta Feira 13, O Bebê de Rosemary, A Chave Mestra, O Massacre da Serra Elétrica...
– E você vai assistir tudo isso sozinha?
– Sim, senhor. 
– E você não tem medo?
– Não, senhor. Eu tenho medo é de gente.


sexta-feira, 17 de junho de 2011

Nada antes de você

Eu queria ter te conhecido antes. Queria que você fosse o primeiro e que antes de você não existisse nada. Queria ter te conhecido antes do meu coração ser tão cansado, machucado. Quando palavras más ainda não haviam me apunhalado o peito, e quando não existia nada de mau, assim também agora não existiria o medo de tudo de novo. Queria ter te conhecido quando éramos crianças, quando eu ainda acreditava em príncipe encantado e no amor. Quando não era por dentro cheia de dor, de mágoa. Na infância, quando as coisas são simples, bem simples, e a imaginação fantasiosa poderia resolver qualquer pequeno problema que cruzasse nossos caminhos. Quando o mundo ainda não tinha chegado, esfregando sua realidade imunda em nossas faces. Queria que não existissem lembranças, nem passado, nem fotografias e cartas e lugares sem você. Arrependimentos e decepções. Esperança, expectativa, desejo. Nada antes de você. Porque assim tudo seria mais fácil, e acreditar no felizes para sempre não seria tão impossível. Assim nossos dias seriam menos árduos sem os fantasmas de outros amores rondando nossas mentes, esperando brecha, na espreita de levar embora o que havíamos demorado para construir. Seria mais fácil, seria mais doce, não seria vida real. O que há agora, de verdade, são dois corações: partidos, rancorosos, pessimistas, e amedrontados. O que há agora, de verdade, é mais uma quase-história de amor; ou mais uma história de amor adiada, pra talvez um dia, em outra hora, quando tudo for mais fácil, menos pesado, menos doído, nunca.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Vem cá

Vem cá, deita ao meu lado do sofá. Ou por cima de mim. Por que a gente tem que fazer do jeito complicado sempre? Porque quando estamos bem nos enjoamos, nenhum dos dois gosta muito de mel. E é nesse drama que a gente sente alguma coisa, e é assim que a gente mantém isso aqui e vai empurrando pra frente, e aí vai. É uma forma de sentir, a dor, o desespero de perder o outro, é assim que o amor dá as caras. É da decepção nos olhos do outro que a gente faz sangrar o coração só pra, só por um pouquinho de prazer. Só pra sangrar e depois se acolher. Você sempre faz isso, se afasta pra respirar um pouco que é pra a gente não se matar. Como agora, que você ta aí de frente pra janela, esfregando as mãos da testa à cabeça, assanhando o cabelo do jeito que eu gosto. Você tá tão lindo aí, no reflexo do resto da luz do sol que entra, a sombra te cortando em pedacinhos. Meus olhos tão inchados de tanto chorar e eu enxergo borrado por causa de umas gotinhas que não escorrem, mas mesmo sem poder te ver claramente eu sei como você fica lindo na janela. E eu sei como você fica ainda mais lindo do que já é quando eu te odeio. Eu te amo tanto que chega dói no peito. E eu te amo mais porque eu sei que você não vai embora, mesmo quando você diz que vai embora. Ninguém vai embora. Porque a gente ama isso. A gente ama os pedidos de desculpas e como o sexo fica melhor depois. Eu amo eu me fazendo de vítima imitado voz de menina pequena e você enxugando minhas lágrimas, cuidando de mim, fingindo que é porque quer, fingindo que não é porque eu te manipulo bem direito. Eu amo as linhas que se formam na sua testa toda vez que eu te faço preocupado, magoado, confuso ou desesperado. Eu conheço cada uma delas. Eu amo a sua pele branca resplandecendo na luz da janela. Eu amo você dando um tempo de mim pra esfriar a cabeça e a saudade que me dá de você me abandonando jogada no sofá. Porque eu te deixo louco, é o que você diz. Depois você diz que eu sou louca, e é por isso que a gente dá tão certo. Desse jeito torto de gente doida e masoquista. Essa novela que é nós dois e esse amor bandido que é tão bonito quanto você nervosinho na janela.