sábado, 27 de abril de 2013

Slipping away, parte 2

[...] Eu sou uma farsa, amor. Eu sou apenas a personificação dessa madrugada lenta, vazia e cheia de insônia. Eu sou essa cama gelada e essa saudade e esse buraco enorme no peito, desejando sua presença aqui mais do que qualquer outra coisa que minh'alma possa desejar pelo resto dos meus dias. Eu sou essa ferida aqui dentro, meio cicatrizada, que não sangra, nem pulsa, nem nada. Que só quer você.
Estou ouvindo aquela música que soa toda como cada movimento seu em minha direção, lembrando de como comigo você sempre foi muito mais doce do que com qualquer outra pessoa. Exatamente como a canção. A mesma que você cantava pra mim no tapete do seu quarto, com a rouquidão que sempre amei e amo, com a mesma doçura com a qual você escrevia atrás das embalagens de cigarro qualquer frase boba pra que eu guardasse e lesse mais tarde, pra que me lembrasse de você e talvez me animasse, quem sabe. A última delas, naquele bar pertinho de casa, dobrando a esquina: eu queria consertar você. As lágrimas escapuliram pra fora (como elas sempre fazem quando estou ao seu lado, e só quando estou ao seu lado, como se tudo só fosse seguro quando você está por perto) descumprindo minha ordem de se manterem escondidas porque eu não queria contrariar a sua vontade de me ver sorrir, e não queria te dar o trabalho de limpar meus olhos borrados nem de se preocupar à toa.
Era só pra te fazer um carinho, e agora você tá chorando de novo. 
Eu ouço você dizer, ainda mais rouco com a neblina e o sereno das quase três da manhã. Como explicar que se não consigo conter o choro é por tristeza em saber que teu desejo não pode ser realizado? Você e essa mania de tentar me amparar a qualquer custo. Eu sinto toda aquela fragilidade de cristal pendulando no ar de novo. E tudo é muito pior agora. Exatamente pior agora porque a essa altura eu já descobri que nem você nem nada pode me salvar. Não há como fazê-lo e por isso você não vai me desculpar. Você não vai se desculpar. Mesmo que eu prometa guardar todas as frases rabiscadas nos versos das caixas de cigarro. Mesmo que eu me lembre de todas as canções, de todos os conselhos e de todas as vezes em que você me guardou num abraço.
Eu fecho os olhos como que pra checar pela última vez se já não há mesmo chance alguma de que ainda exista algo de bom em mim, de que eu possa ainda talvez me fazer feliz, pra então te fazer feliz.
E dessa vez não é o amor que escorrega por entre nossos dedos. Dessa vez não há beleza nas palavras, nem romantismo na tristeza das embalagens de cigarro. Só há você, desejando que pudesse me consertar. E eu, sabendo que não sou algo que se possa consertar.
E nós, escorregando.

domingo, 21 de abril de 2013

Morrerei calada




Morrerei calada. Lenta de suave, quieta; rápida de sem mais transtornos. Morrerei em vão, e ninguém ouvirá o último respirar, o último pulsar, o último momento. Ninguém presenciará os últimos passos no corredor nem o vento discreto que corre entre os móveis de uma sala. Ninguém perceberia a sutiliza de deixar de ser.
Morrerei de minha própria desgraça, a mesma em que caio neste mesmo instante, no auge de minha juventude. Da minha desgraça para minha paz, sem testemunhas; vítima de minha própria doença, doença que a mim causei, doença que explodiu no mesmo instante em que expulsei a mim mesma de dentro do ventre daquela menina a mim tão estranha.
Desaparecerei sem deixar rastros, e quando procurarem, tudo o que encontrarão serão vestígios de uma vida que não foi minha, de um amor que não fui eu quem fiz, pois, se, ainda em vida, nenhum deles se mostra capaz de sentir o que sou, tampouco compreenderão o que digo quando estiver calada para sempre. Mais calada do que em vida.

Para sempre. 

Mas não procurarão, e portanto, não acharão. Não se lembrarão, como não se lembraram antes.
Morrerei e seguirei em direção a meu merecido descanso, descanso do sentir e da loucura. Quieta, lenta, precoce. Como quem foge por desespero de saber o que está por vir, o que se esconde na velhice, na invalidez e exaustão da alma, o que está por trás do fim.
Morrerei para mostrar o quão certa estive sobre a morte. Mostrarei como, quando se trata dela, não há o que temer. Morrerei e comprovarei o que escrevi em vida por tanto tempo, aquilo de que alguns duvidaram e me julgaram dramática por acreditar: todo ser humano é só.
Tudo se trata de solidão, e a morte se trata da confirmação de todas essas coisas. 
Se em vida fui só, é por isto também que morrerei.

Quieta, lenta e precoce.