sábado, 31 de maio de 2014

As libélulas no banheiro

Todos os sintomas que a cardiologia não consegue ver;
um milhão de batimentos cardíacos por minuto;
um milhão de pensamentos por segundo
que nem todas as psicologias juntas poderiam resolver.
Oh, baby, as paredes estão derretendo novamente?
Seu coração é uma guerra fria,
e você está na linha de frente.

Pálida blue, estás contente?
Quanto tempo seus dias de Wonderland irão durar?
Os filósofos de mesa de bar,
poetas de embalagem de cigarro,
escritores de fundo de gaveta,
a repetição da poesia já feita, os versos gastos pelo tempo
sujos das ruas, de bebida e de beleza.
As gotas de chuva nos faróis das ruas
lembrando o que queremos esquecer.
Parece muito clichê?
Parece muito clichê.

E agora estás a sorrir e parece até querer dançar,
mas quanto tempo irá levar
até que fiques aos prantos novamente
a respeito da beleza do mundo que supões ter-se esvaecido,
chorando a respeito de tudo ser,
segundo sua loucura ou sanidade deformada,
falso, frágil, rápido demais,
sujo ou doentio.
E quanto tempo até a queda?
Quanto tempo a esquizóide?
Resquícios de um transtorno paranóide
cravados na sua pele para que todos possam ver.

Quanto tempo até que as paredes derretam novamente?
As libélulas no banheiro,
ratos, baratas e rãs.
Você implorando para que tudo acabe.
As bruxas dos sonhos e os rituais
graves e pesados como as marcas bestiais
em suas costelas ao amanhecer.
O olhar fixo no canto dos cômodos,
as manchas de mofo ganhando voz.

Quanto tempo até você repetir
"o vazio que eu sinto dá para encher uma cidade inteira de fantasmas"
e eu implorando pra que paremos de falar em metáforas
porque, baby, sua alma já era suficientemente complicada para mim de entender.

E era nela o que encantava,
a sensibilidade, a falta do fluxo de normalidade,
o sofrer pelo improvável, vaguear por atmosferas ditas insondáveis
por aqueles sortudos de natureza tranquila.
E era em vão que lhe dissesse:
blue, não te tortures com esses pensamentos!
Torturar-se era de sua natureza, 
e de natureza não se pode fugir,
foi o que li em algum lugar.

E era o que nela encantava
e tudo nela era real.
As asas do espírito a sobrevoar todos os cantos 
de uma psique inalcançável 
imersa em sonho e fantasia. 
E tudo nela, apesar da novela,
apesar do drama inesgotável,
da dor inventada, da arte forjada,
tudo nela era de um fogo 
e uma febre
e uma explosão real.

Mas se ria alto e se divertia, que mal fazia
se queria dançar.
Todas as bobas gotas de chuva nos faróis da rua lá fora.
Toda espera por um fim
a longa espera pelo nada
o Vazio da Existência
é algo com o que você pode lidar?

Baby, até chegar o dia do medo de atravessar a ponte,
o medo de que algo te empurre no rio
e te faça escorregar.
Melhor seria procurar de novo um médico,
voltar para as pílulas e remédios,
concertar a hipocondria,
controlar a agonia,
continuar a sorrir serelepe na mesa do bar?
Ou pedir por ajuda enquanto ainda consegue caminhar.

É bom te ver sorrir,
ainda que tua beleza se realce quando choras,
mas e quando o sol insistir pela manhã
e as crianças descerem do trem
as crianças em direção a escola
e você a observar
a gaiola da existência
como vai se sentir
quando você acordar
da ilusão de segurança
dos poetas de embalagem de cigarro
reunidos a filosofar
bêbados, alcoólatras, loucos, tuberculosos,
geniais,
na mesa do bar. 
Suas teorias de resolução, 
subir num ponto alto
e voar.

E quando voltar pra casa,
a chuva caindo lá fora,
o ar gelado em sua fronte,
os átomos pesando toneladas do peso das
lágrimas presas na alma
rodopiando em redemoinhos crescentes
quebrando-se com violência contra tua fronte
te fazendo deslizar
a chuva cortando teus lábios
a febre começando a brotar
um céu cinzento e suave
desejando não mais acordar.
Ecos ressoando ao longe em tuas dores de cabeça
que começam em testas molhadas
e percorrem pescoços em nódulos de inflamação
chegando aos ombros que carregam sozinhos
teu mundo caótico e sublime.
Tua faringe em chamas, pernas bambas,
corpo desfalecendo em braços e colos de ninguém
paz e força de esvaindo com a febre
o fogo e as paredes derretendo
as libélulas na banheira branca do banheiro
olhar fixo, o serpentear das águas
a loucura e a dúvida percorrendo as veias,
o medo de se deixar controlar
o cheiro de morte,
o pó,
as flores por todo o lugar.
Deixemos de falar em metáforas.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Um poema, talvez

Ando pelas ruas sentindo na ponta dos pés descalços o gosto
de morte do cheiro da chuva
no ar e na terra molhada de lágrima.
Procuro o lugar o caminho a encruzilhada
por onde você seguiu. Eu sigo
seguindo as placas que não me levam a
lugar
nenhum.

Os faróis piscam com o mesmo brilho cretino nos olhos daqueles marginais, mas
eu só entro num carro se for com você e
pra te perguntar por quê,
afinal,
você me deixou aqui
sem você caminhando sozinha à beira de uma
estrada imaginária perto de
enlouquecer.

Eu fingi que não mas tenho medo do som dos passos alheios
e da falta do teu abraço em passos que não vêm mais.
Eu chamo grito corro
e me engano porque as placas na estrada não valem muito quando
não se tem para
onde
ir.

Na noite pouco se pode ver do teu sorriso que de tão bonito em nada
se parece com os sorrisos daqueles marginais.
A cabana em que você se esconde é longe demais e embora eu não tenha pressa
também não me resta forças para sequer dar um passo a mais.
Eu entro em qualquer carro que parar, parei de procurar, o sol já vai nascer
e o meu amor por você não morre,
só eu
morri e morro
todos os dias.

O sol já vai nascer pra você,
amor e
eu
trocarei amor por paz em moedas de migalhas que, eu sei,
mereço.
E você, eu sei, fez bem, você sabe, em ir embora
de mim
a tempo.