terça-feira, 6 de setembro de 2011

Janeiro




Já faz quase um ano, mas parece ter sido ontem, vez que cada detalhe permanece vivo em minha mente, e cada cor é quente, tão quente quanto aquele dia de Janeiro. Eu nunca gostei muito de Janeiro. Não tenho uma explicação para isso, eu geralmente gosto ou desgosto de alguma coisa simplesmente pela forma como o nome dessa coisa soa aos meus ouvidos. E eu não gosto de Janeiro. Ou pelo menos não gostava, até aquela tarde quente. Mas se a minha, até então, antipatia por Janeiro precisa de alguma lógica, assim como todas as outras coisas chatas do mundo, então tudo bem. Janeiro foi o mês seguinte à mudança da minha melhor amiga para outro país; foi o primeiro mês em que estive completamente sozinha depois de muito tempo, e eu sabia que levaria muito para me recuperar da falta que ela me faria. Eu me sentia triste quase todos os dias, e só me distraia e esquecia um pouco a saudade quando me afundava perdida dentro de um livro. Eu não esperava muito depois daquele Dezembro murcho. Nada de novas amizades, novos lugares, novos interesses; nada de novidade. A vida continuaria igual, todo santo dia, e a única espera, a única ansiedade e os únicos sorrisos viriam de imaginar nós duas nos reencontrando de novo, mesmo sabendo que isso poderia levar anos. Eu não esperava nada; e depois ouvi dizer que as melhores coisas vêm desse jeito, mesmo. E então, você. Aliás, não parece que foi ontem, me permita essa correção. Parece mais que foi um sonho, apesar de toda a nitidez desse filme que passa e repassa girando na minha cabeça. Um sonho, o mais bonito de todos. Quando cheguei ao meu esconderijo mágico, o máximo que esperava era a sorte de encontrar um livro muito bom, daqueles que têm o poder de me transportar a outro lugar, como que num estalar de dedos, e de me prender lá por horas, como se eu não pudesse achar o caminho de volta, e nem quisesse. Esses livros que só acontecem vez ou outra na vida, mesmo na vida de uma garota como eu, que praticamente mora na casa dos livros. Aquelas escadas nunca pareceram tão longas, acho que por causa do calor, eu me cansava três vezes mais do que o normal a cada degrau e a cada andar que tentava explorar. Eu não me lembro do momento exato em que o meu olhar, naturalmente curioso, te encontrou. Mas eu me lembro das cadeiras e mesas vazias, eu me lembro das cores: avermelhadas, amarronzadas e esverdeadas, empilhadas como fitinhas coloridas nas estantes; eu me lembro daquele último andar quase nunca visitado por mim, e nem pelos outros leitores; chão e teto de madeira e antes só o som dos meus passos baixinho ecoando pela sala vazia, e você. Eu me lembro de você. Sozinho, concentrado, sem me notar; me inclinei de leve lutando contra o pouquinho de miopia para enxergar o que te fazia tão absorto. Scott Fitzgerald. Eu queria um jeito de chamar sua atenção, mas achei indelicado interromper; ainda mais pelo fato de eu não entender nada de Fitzgerald – desculpe, mas eu só leio o que me chama – e sobre qual outro assunto eu poderia falar se não sobre a sua leitura? Seus olhos se levantaram até mim, me percebendo, atrapalhando o meu transe, ou me poupando estratégia de tentar desviar sua atenção. Já fazia algum tempo que eu não esperava nada. Sua voz funcionou como um clique e foi como se tudo o que dormisse há muito tempo dentro de mim tivesse despertado em conjunto. Cada gesto seu me chamava pra mais perto. Cada nova descoberta sobre o outro soava mais harmônica. Tinha tudo para ser só mais um encontro cotidiano, mas não era. Tinha tudo para que eu não tivesse ido àquele último andar, como acontecia a cada visita, mas eu fui. Tinha tudo para eu ter saído de casa uns dez minutos depois, você meia hora antes, e nunca teríamos nos cruzado. Tinha tudo pra você não ter trocado Fitzgerald por uma conversa qualquer com uma estranha curiosa, mas você trocou. E então alguma coisa aconteceu. Alguma coisa que eu não sei explicar e nem teoria alguma dentro de todos aqueles volumes enfileirados saberiam. De repente eu me senti tão enorme por dentro quanto aquela biblioteca, mesmo com aquele salão central e aquelas escadas imensas imitando braços por todos os lados e aquelas inúmeras salas que dava para se perder dentro. Aquele labirinto lá fora, aquela sala vazia, eu, você, e todas as histórias do mundo ao nosso redor. A sua voz, o seu sorriso e, eu ainda não sabia, mas aquele seria o melhor dia da minha vida.

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