domingo, 17 de julho de 2011

Sem título

No telefone eu senti um tonzinho de ameaça: que horas você passa lá em casa? Quero conversar. Ai meu deus, conversar. Parece que a todo instante eu estou voltando no tempo, quando meu pai se sentava de frente pra mim e gastava horas em discursos entediantes pra me alertar de como garotinhos podiam ser malvados – mal sabendo ele que eu me tornaria a malvada da história –. Sentada na sua minúscula mesa de jantar, coberta com a toalha xadrez que a sua mãe comprou – sim, claro, porque ela não poderia sobreviver sem visitar e supervisionar seu apartamento todo santo final de semana – eu estou tranqüila, pernas cruzadas, olhando em direção à enorme janela de vidro que quase me permite enxergar os carros passando depressa lá embaixo. Eu adoro essa janela, e a visão dos outros prédios. Dá pra ver as pessoas em seus afazeres e isso era o que me distraia toda vez que eu deitava no seu sofá te esperando chegar da faculdade, sem ter nada de interessante pra fazer. Você me serve café na minha xícara velha – a que eu escolhi de lá de casa pra trazer e deixar aqui, porque de todas as outras, essa é a que menos gosto da cor –, sentando de frente pra mim, com um ar cansado, fingindo apreciar a mesma vista que eu somente na desculpa de fazer voltas até chegar ao que interessa –. Você me olha com aquela expressão de pedido de socorro, como que um sinal pra que eu pergunte: e então... você disse que queria conversar? Mas eu nem vou fazer isso. Por mim está ótimo em só sentar aqui e fingir que a vida é boa. O meu silêncio continua, salvo pelo tilintar do pires na xícara que agora eu agarro com as minhas duas mãos, pondo algo entre nós dois porque assim me dá a sensação de estar protegida. Eu queria falar sobre nós dois. Ai meu deus, eu já tinha passado por isso vezes suficientes para entender que “quero falar sobre nós dois” na verdade significa “preciso reclamar de você” – e agora vai começar o drama, sim porque vocês garotos também conseguem quando o querem –. Considerando as minhas outras experiências e o fato de que eu faço tudo direitinho, sem o incomodar muito – tipo sem crise de ciúmes, sem telefonemas incessantes, sem tantas cobranças etc e tal – eu podia prever o que estava por vir. Eu não sei, você é tão distante... às vezes parece que você não se importa... Era sempre o mesmo texto, exatamente igual. Se eu não ligar, você não liga... eu não sinto você aqui. Aí vem aquela pausa, como que me oferecendo uma chance de defesa, mas eu não tinha do que me defender. Não tinha e nem queria. Ele estava certo. Ficou me olhando fixamente, esperando reação, sem resposta. Sabe, eu não quero só o seu corpo, o seu rosto bonito ou só o seu cheiro no meu travesseiro. Eu quero alguém por inteiro, e não essa pessoa oca que eu enxergo quando olho pra você. O barulho do trânsito me distraia da voz dele, mesmo assim eu percebi que havia chegado o ponto da conversa onde o locutor fica meio emocional. É tudo tão mecânico... eu queria que você falasse como se sente, não sei, pelo menos de vez em quando, como as garotas normais. Esse é o problema. Sentir já é tão difícil: ele exige que eu sinta e que eu ainda por cima fale sobre isso! Eu não sabia o que responder. Eu até poderia tentar uma conversa produtiva, uma discussão de relacionamento, como fazem os casais normais, mas eu já estava cansada demais pra isso. E não era cansada por mais um longo dia de estudo e trabalho. Era cansada dessa coisa que todo mundo tem de me cobrar agir como gente normal. Eu olhei apática nos olhos dele, foi sem querer, eu queria tentar parecer me importar, mas achei mais fácil entornar o café que nem água, pra me ocupar, na esperança dele continuar a falar sem me exigir resposta, até que aquela sessão de tortura acabasse e eu pudesse ir pra casa, pro meu quarto, sozinha, que é como fico melhor. Silêncio do lado de lá da mesa. Silêncio do lado de cá. Como um jogo de ping-pong, só que nulo, sem pontos, ninguém marca nada. Eu começava a sentir um leve desconforto, apenas como resultado do grande desconforto dele. Porque por mim, eu sentia mesmo muito pouco. Do que você tem medo, ein? Porque você se defende tanto? Eu quis dizer que já fazia sessões de terapia, obrigada. Mas toda vez que alguém me pergunta do que eu tenho medo, é assim, eu desvio o olhar, é de tanta coisa! É de tudo. Ou sei lá, deve ser só de mim mesma. Fiquei encarando a xícara cor de salmon e o café com leite amarronzado: tudo sem graça, imitando a mim. Eu amo você, sabe. Mas é tudo tão difícil com você... Difícil mesmo é encontrar resposta em defesa de uma acusação que, você sabe, é correta. E mais difícil ainda é procurar por essa resposta quando nem se faz questão de usá-la. Tomei mais um gole da coisa sem graça, tentando evitar esse momento aqui: porque você não me deixa, então? De fato, você merece uma garota mais “mentalmente” saudável. Falei sem emoção, e por isso mesmo soou sincero, tão limpo que nem tinha na voz o sarcasmo de sempre nem nada. Levantou e foi até a cozinha, balançando a cabeça de um lado pro outro, negativamente, gesticulando implicitamente um “você não tem jeito, mesmo”. Trouxe a garrafa térmica – também arranjada pela mãe –, repondo o café nas xícaras vazias – e eu não pude evitar outra comparação da xícara salmon com a sua própria dona –. Tudo é tão difícil com você, te deixar não seria diferente... Cansou-se, se largando agora sentado mais próximo de mim à mesa, tentando se contentar somente com aquele café preto pra hoje; e eu que já estava cansada há tempos, percebi que ficaríamos ali até terminar tudo o que restava na garrafa, e depois os beijos de sempre, e então eu iria embora, descansar ao fim de mais um dia, sobrevivendo a mais uma dr frustrada e engolindo a rotina de mais um quase-amor desastroso. E amanhã, tudo de novo.

2 comentários:

  1. KKKKKKKKKKKK law isso é ficção ou vida real?
    se for real tua vida parece novela, tu não existe
    se preocupa não sem sal tem outras pessoas assim,
    sem pimenta, sem cuminho, sem canela... é a vida somos assim mais quando junta tudo dá uma maravilha, quem não tem sal tem pimenta, quem não tem pimenta tem canela e assim vai, pq a mistura que da graça a vida!!!

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  2. Como diria meu professor de Filosofia: não é verdade nem mentira, é ficção.

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