domingo, 1 de dezembro de 2013

Sobre autodestruição (na mesa do bar)

Ele falou pra mim que o amor curava tudo e eu só pude dar uma boa gargalhada na hora. Que tipo de merda é essa? De onde ele tirou isso? Parecia que eu precisava lembrá-lo a todo o momento de que não era nenhuma criança. Minha alma tinha uns trezentos anos de estrada, se não mais. Não que eu fosse algum tipo de vampiro, pois tinha ouvido falar por aí que vampiros não sentem nada, e eu sentia muito. Senti tanto que cansei.
Ao fim de todas as minhas falas ele arrumava um jeito de introduzir um pensamento positivista, budista, e todos esses "istas" chatos pra caralho, o que me fez lembrar o porquê de eu detestar gente feliz, depois de tanto tempo sem bater papo com um sujeito desse tipo otimista. Os caras estão sempre fornecendo solução pra tudo, não se pode amaldiçoar nada na vida, como se sofrer fosse algo estritamente proibido. A religião não permite.
Eu disse pra ele que nenhuma dessas merdas que ele aprendeu na televisão ou em qualquer outro lugar, tanto faz, nada disso existia. Que ele trocasse esses livros sagrados por poesia simbolista que era de muito mais valia. Eu disse que esse vômito preso na boca do meu estômago, isso sim era realidade. Isso eu iria levar a qualquer lugar na vida.
Refletiu um pouco, parecendo admirado, e depois, recobrando a memória, lembrou dos meus escritos. Me perguntou onde eu achava inspiração para escrever coisas tão mórbidas. Eu respondi "dos meus sonhos". Ele perguntou como eu dormia com aquilo. Respondi que com o tempo você aprende a amar tudo do que não consegue se livrar. Ele assentiu.
Talvez tenha se lembrado de seus próprios pesadelos, reais ou não... Todos os temos.
Disse que eu enlouqueceria. Respondi que enlouqueço sim, todos os dias. Me perguntou então porque que eu não desistia, pois parecia o óbvio a se fazer, e eu disse que já havia desistido. Que esperança eu só tinha agora no dia em que eu iria finalmente acordar com coragem de espalhar meus miolos pela parede da sala, de frente para a porta de entrada, e deixar tudo lá, como de recordação. Fé eu só tinha nisso. Perguntei se vinte anos ainda era idade boa pra suicídio, se ainda soaria romântico, porque Bukowski disse que quando se é jovem, tudo bem, mas quando se é velho, já não se tem mais o que matar, o que pareceria ridículo então de se fazer, e eu queria que fosse tudo bem, aprovado por Buk, jovial como Werther e os meninos da Alemanha do século dezoito. Era tudo ou nada, agora ou nunca, na faixa dos vinte. Ele riu de mim, como se sim, eu fosse a criança que recusava ser. É que ele é dessas pessoas normais, dessas que levam a morte a sério demais até pra falar sobre ela. Justo da morte esses caras não são capazes de falar! Justo da única coisa real nessa porra de mundo!
Eu disse que a diferença entre mim e o resto das pessoas era que eu aceitava minha loucura sem espernear. Eu não precisava de todas essas ilusões criadas com um punhado de imaginação e desespero de quem não sabe de onde vem nem pra onde vai. Eu aceitava minha inutilidade, minha ignorância. Eu não precisava de céu e inferno porque tudo eu vivi aqui. Não precisava de um deus porque a solidão era a minha verdade, nem de doutrinas e terços porque, se a merda ficasse mais suja do que o que já era, a última coisa que faria seria recorrer a alguém invisível. Eu estaria muito ocupado resolvendo tudo de forma prática, boom! Assumindo as rédeas da situação. Quero dizer, a vida era minha, e o direito de escolher ficar com ela ou não, era só meu. Correto?
Ele ficou em silêncio. Eu apreciei. As pessoas sempre ficam em silêncio quando se deparam com a verdade. Depois de cinco minutos, me pronunciei "é disso que eu estou falando... o silêncio contém toda a verdade do mundo, é toda a razão, porque ninguém sabe de nada, e isso deve ser tudo que se tem a dizer... o silêncio, saca?".
O silêncio continuou. Eu tive bastante tempo pra refletir, de modo que me lembrei de como as pessoas estavam sempre me perguntando pra onde eu iria com tamanha violência. Diziam que eu não chegaria muito longe assim. Mal sabiam elas que a distância pouco me importava. Na verdade, quanto mais curta fosse, melhor. A distância. Mas o fato é que eu tinha mesmo essa ideia fixa de desconstrução. Sempre tive. Eu sabotava a tudo e todos e principalmente a mim. Era como passar um dia em frente a um espelho maquiando um belo rosto só pra navalhá-lo por inteiro ao fim da noite. Era isso que eu fazia com a minha vida. Ou pelo menos tentava. Era essa ideia autodestrutiva latente que não me abandonava, como se a cada tijolo empilhado, eu tivesse obrigação moral, natural, de derrubar mais dois. Era anormal, sobre-humano, perturbador, cansativo...
Mas eu ainda preferia isso a ser igual a todos eles.

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