Nesse momento, todos os seus movimentos cessaram, o sol continuava a maltratá-la sem piedade, enquanto o vento se aliava ao sol contra uma natureza de outra espécie, da espécie animal, fazendo pender para o lado as belas asas amarelas com manchas alaranjadas da borboleta enfraquecida, como se por inveja, se por despeito de sua beleza. E eu pensei então que, enfim, o fim havia chegado. E olhei para os passantes na rua, e realmente os vi, os enxerguei porque desejava que alguém percebesse junto a mim o que se passava, e que, dessa forma, eu não me sentisse solitária e unicamente responsável pela vida que tinha acabado de partir, ali, em meus pés. Se ao menos tivesse sido diagnosticado em meu coração arritmias, ou quaisquer problemas de funcionamento, talvez eu não houvesse me compadecido da beleza daquela borboleta. Talvez eu não tivesse sequer a notado. Se em mim não houvesse um coração "funcionando perfeitamente bem, em plenos vinte anos de idade" como disse o sério doutor que a mim me parecia formidavelmente sincero.
Como era bela! E como me fez pensar na inconveniente fragilidade que cercam todas as coisas assim tão belas. E me fez pensar em quantas borboletas tão belas quanto aquela morrem todos os dias, e em quantas borboletas eu havia levianamente, distraidamente pisoteado em minhas rotineiras idas e vindas, ou em quantas borboletas agonizantes havia ignorado enquanto em me encontrava na posição de simples passante, absorta em frívolos pensamentos cotidianos, ou de simples esperadora de ônibus, em vez de observadora e aliada das coisas belas e tristes e frágeis e pequenas.
Eu precisava confidenciar a alguém o que havia se passado entre mim e a borboleta, numa história que terminaria no trágico final da morte fatal após quinze longos minutos de interminável agonia, dúvida, apreciação e amor. Enquanto eu lamentava o abandono de um cadáver tão belo e colorido, passei a ponta dos meus dedos dos pés cuidadosamente em seu corpo leve e perturbado pelo vento, vencido pelo luta de movimentos exaustivos, quando ela, bela e pequenina, em resposta ao meu toque, ergueu sutilmente as perninhas dianteiras, deixando-me saber que nem tudo estava perdido, que havia ali ainda vida, e lutava. Não sabia se deveria me sentir feliz a respeito dessa nova informação, afinal, eu ainda não tinha meios de levá-la comigo, e nada me garantia que, deixando-a ali, não seria novamente pisoteada, ou simplesmente arrastada pelo vento para longe, de modo a sofrer de uma dor extrema que dessa vez não poderia mais suportar. E não havia modo de absorver aquela beleza tão bem desenhada e eternizá-la em uma fotografia, ou em qualquer coisa que o valha, ou de deixá-la saber que eu sabia como se sentia, exatamente como se sentia, e que eu também já havia experimentado daquela solidão fria. Foi quando o ônibus chegou e tive de saltar e então partir, mas não sem antes olhar para trás enquanto me afastava, avistando um ponto amarelo ínfimo em meio a borrões gigantescos, deitada e abandonada no oco e solitário vazio de sua delicada existência.
"Desculpe-me, borboleta...", pensei. "Em redenção, escreverei sobre você."
Como se isso nos valesse de alguma coisa.
Como se isso nos valesse de alguma coisa.