Não havia muito
sorriso – ela mesma julgava que tal expressão não combinava muito com seu
rosto, e quando havia, eram ligeiros, sem dentes, às vezes apenas de canto de
boca, o que não os tornava menos encantadores. Isto é, para aqueles que se
deixavam encantar, para os observadores dados à decodificação e,
principalmente, para os não temerosos de se perderem naquela doce face, gestos,
danças e artimanhas (algumas vinham naturalmente, a maioria era calculada e intencional)
daquela garota (mulher?) labirinto -. Todos os convidados, e mais um pouco,
estavam lá – ninguém jamais perderia tal evento! –. Entre rostos
instantaneamente reconhecidos, rostos que não lhe recobravam a memória nem de
longe, e outros que encontravam suas lembranças vaga e vagarosamente, todos
estavam lá. Ela estava incrivelmente linda e, acredite em mim, não era tão
menos linda sem todos aqueles apetrechos, pinturas e enfeites. Não mesmo. Era
labirinto não só por seus mistérios e feitiços, mas principalmente, já a
primeira vista, por tamanha beleza.
Estava incrivelmente
linda, e apesar de não fazer questão de nada daquilo, pensou, por fim, que
pudesse fazer vontade às outras pessoas, as mesmas que relutavam "não seja
boba, você é deslumbrante! E uma data tão importante não merece nada menos do
que uma festa daquelas em comemoração!" Sim, ela gostava
de festas. Mas do tipo que não eram, nem de longe, nada parecidas com a que –
pelo tom de incontida animação – pretendiam dar. Mas tudo bem, era o seu dia e
estava ali: linda como sempre e mais deslumbrante do que o de costume. Agora
bastava respirar fundo e continuar andando, continuar cumprimentando a todos,
com seu sorriso sem dentes, respondendo aos sorrisos alheios que, por algum
motivo que ela desconhecia, pareciam se esforçar para se mostrarem radiantes,
apesar de ainda amarelos – como ela, mais esperta que a maioria ali presente,
conseguia perceber –. Nada fazia sentido, todas aquelas pessoas e ela – que apesar de todas
aquelas vozes lhe repetindo incessantemente "você está esplendidamente
linda, querida!" – não sentia vontade alguma de sorrir
diferente do sorriso vazio e estático que tinha agora. Mas tudo bem,
apenas continue. Ignore os rostos desconhecidos, e os conhecidos também, os
cínicos e os desagradáveis – em verdade, podia contar três que não
fossem absolutamente desagradáveis. Fez as contas. É, apenas três; que
correspondiam à duas melhores amigas e o homem da sua vida, sentados juntos à
sua esquerda numa grande mesa redonda e impecavelmente arrumada, com rosas ao
centro e, também, cheia de risos ao redor –. Mas os rostos agradáveis em
volta da mesa já não se concentravam mais nela. Haviam sim a admirado pouco
tempo atrás, porém agora a atenção de todos se voltava à conversas tolas sobre
assuntos cotidianos, observações rápidas sobre a festa e sobre quem se
encontrava presente nela. Nada além disso.
Vamos lá, apenas
sorria, apenas continue, e por favor, por Deus, faça como gente normal, se
sinta como gente normal e goste disso como eles gostam. Aproveite. Saboreie!
Não deve ser tão difícil assim.
Mas era. Tinham se tornado raras as sensações de abismo, desde que ele chegara – na verdade, muita coisa havia mudado pra melhor, desde então – porém, vez ou outra, ela ainda era pega desprevenida, e o chão sob seus pés delicados calçados sobre saltos altíssimos que simulavam extrema confiança, desaparecia de repente, quando menos esperava. Triste e sozinha. Olhar para todos aqueles rostos ao
mesmo tempo, tantos desconhecidos, causava nela tontura e uma acidez no
estômago que lhe subia até a garganta – ou talvez fossem os drinks que
entornava mais rápido do que o que deveria, porém de forma delicada pra que não
pudessem perceber seu leve desespero, na tentativa de relaxar e então, talvez,
quem sabe, dar a eles os sorrisos um pouco mais largos de que tanto pareciam precisar –. A sensação era a de olhar para dentro de si mesma e não
entender, da mesma forma que não compreendia o que aquelas pessoas faziam ali –
então era isso? Completara dezenove anos e todo mundo de quem nunca ouvia falar
de repente estava ali, parecendo se importar. A troco de quê? Qual o ponto? –.
Mas não havia ponto nem significado, motivo, razão, ainda que tivesse já
gastado certo tempo em longos goles, em busca de solução. Triste e
sozinha. Agora a esperança de que se sentisse bem começava a se dissipar, e
a voz em sua cabeça repetindo que tudo estava sob controle parecia mais
mentirosa do que nunca. Não havia nada sob controle ali, apenas um tsunami de
confusão dentro dela, em stand by.
Finalmente, e só
então, lhe ocorreu a ideia de estar ficando mais velha, e a frase automática
ecoando na sua cabeça: eles dizem que a tendência é piorar... é o que
eles dizem. Um embrulho no estômago. Uma vontade enorme de vomitar a
vida. E isso porque tinha agora "ainda dezenove", "apenas
dezenove". Agora então sorria, sorria daquela falta de sentido em tudo, de
sua confusão secreta, de seu desespero oculto. Sorria riso largo, quase radiante,
se não parecesse um tanto insano, sarcástico, triste. Se não parecesse um tanto
riso de quem sabe que depois do fim de festa e salão vazio não restaria mais
nada. Toda a glória sumiria de repente, toda a mentira seria descontada e
contada novamente em alguma ocasião seguinte, oportuna e conveniente, e nada de
bom esperava por ela naquela noite. Nada além de rímel escorrendo pela cara, mais
rápido do que o que ela conseguiria limpar, maquiagem borrada, um pouco mais de
álcool e quarto vazio de hotel. E nada além dela, que apesar de ainda
estupidamente linda, era também triste e sozinha, como sempre foi e como sempre
seria, não importava quantas pessoas fossem somadas mais cedo no meio do
salão.